Translate

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O NOVO TEMPO


Chovia. O céu cinza estava pesado de nuvens tristes que obstruiam a pouca luz diurna existente, marcando um tempo onde os dias obscuros rivalizavam com a escuridão das noites, sem o brilho das estrelas e sem o luar prateado da Lua. O Sol fizera-se apenas uma recordação de uma época que há muito já não existia. Ele deixou escorregar suavemente de sua mão a leve cortina de voile antes tão alva e agora empoeirada e cinzenta, que ocultava a desesperadora visão do mundo exterior.

Melancólico, ele sentou-se na sua moderna e confortável poltrona de couro com espaldar alto e deixou seus olhos vagarem sobre a sua escrivaninha. Uma imponente mesa de biblioteca de carvalho, obra de arte do renomado marceneiro inglês  Thomas Chippendale, de meados do século XVIII, sua beleza ainda o encantava da mesma maneira de quando a adquirira por um preço fabuloso num leilão da Sotheby’s, por conta da crise econômica de 2008 uma família inglesa falida tivera que se abster de tal preciosidade. A peça digna de um museu não só representava um símbolo de status – que servira para impressionar seus visitantes do passado–, ela era mais do que isso para ele. A mesa o recordava de um tempo em que o trabalho intelectual tinha um meritório valor, o que deixara de existir  gradativamaente ao apagar das luzes do século XX. O seu olhar pousou na tela negra e ampla de seu computador Apple,  a tela sem vida assemelhava-se ao seu próprio estado mental: deprimido de escuridão e vazio. Involuntariamente e automaticamente, ele tocou uma tecla qualquer do teclado e uma explosão de luz e cores surgiu, como se alí, ao menos, a vida ainda existisse.  A inteligência artificial da tela se manifestou numa cordial saudação matinal com sua voz metálica, enquanto parecia espreitá-lo desafiadoramente no desejo de atender a qualquer manifestação de seu desejo –  como se  pudesse! Silencioso, deixou a sua mão alisar o tampo de couro, passando seus dedos sobre as linhas suaves da pirografia que  o enfeitavam numa moldura, enquanto seu pensamento vagava na nostalgia de quando aquela mesa fora criada, um tempo em que a mente humana expressava-se com o uso de uma pena e um tinteiro, os quais em mãos habilidosas eram os artefatos que permitiam a expressão da criatividade mental humana nas folhas brancas e virgens. A mesa e o computador conviviam numa mesma realidade, mas ao mesmo tempo traçavam os limites que separavam o passado do presente de um mesmo mundo, mas, em verdade, de mundos tão diferentes.

Palavras – pensou ele –, são lúdicas e fascinantes, talvez o maior mistério humano. Filhas da idéia, as responsáveis pela formulação das constantes observações da consciência. Mas, de onde viria a consciência? Essa capacidade humana que simbolizava a superioridade do ser humanos sobre os seres vivos, que com sua fria e dura racionalidade científica havia erguido o ser humano como senhor e dono da vida e de toda a Natureza, e através dessa única e espantosa qualidade o tornara capaz de destruir toda a vida existente na Terra.  Consciência! Um mistério que só Deus poderia explicar... Com uma voz desprovida de emoção respondeu como um autônomo à voz metálica do computador, sua única companhia na infindável solidão daqueles anos.

Enquanto a máquina se ocupava em fazer a sua costumeira varredura em busca de algum sinal comunicativo, ele pensava que o persistente tamborilar da água batendo nas vidraças já não o irritava como antes, acostumara-se de tal maneira com o barulho persistente que o silêncio se fizera apenas uma vaga lembrança. Quanto tempo já teria se passado desde a crise final? Da própria cabeça não saberia dizer, gradativamente fora perdendo a noção do tempo em razão dos dias que repetiam-se sempre tão iguais. Em dado momento deixara de marcar a passagem do tempo, talvez quando se apercebera da irrelevância do ato frente ao inusitado aprisionamento voluntário a que estava sujeito em sua vida. Para saber essa informação ele teria que perguntar ao Gênio, nome que dera ao seu computador. Era admirável, pensava ele, que a solidão o tivesse levado a afeiçoar-se a uma máquina e atribuir a ela uma certa humanidade na medida em que ele, de certa maneira, começara a estabelecer laços de amizade com ela, sem que ao menos ele tivesse se dado conta disso. Porém, ele considerava que essa atitude meio esquisóide dera a ele a lucidez necessária para não perder inteiramente o seu senso de realidade.

Em certas horas ele sentia-se feliz por não ter enlouquecido, mas em outras gostaria de ter perdido toda e qualquer razão e ter se  entregado à loucura, para não ter que sofrer mais por estar consciente do absurdo da sua existência. Nos anos que tinham antecedido a crise final, de maneira premunitória ele se preparara para enfrentá-la, obcessivamente disposto a garantir a sua sobrevivência e a de Alice, sua amada companheira. Com persistência – apesar das críticas dos amigos, que achavam que ele estavesse louco –, ele transformou a casa deles numa fortaleza segura. A equipara com a mais moderna tecnologia e a armazenara de tudo; de suprimentos alimentares aos remédios, de fontes de energia aos produtos químicos, e tudo mais que fosse necessário à sobrevivência. O fornecimento de energia era feito por um gerador de imãs permanentes, uma tecnologia revolucionária, que só precisava como combustível diminutas pastilhas atômicas, as quais possuia em número suficiente para garantir mais de um século de seu funcionamento. Esse gerador permitira a instalação de luzes especiais que reproduziam os efeitos solares numa magnífica estufa que construíra, onde árvores frutíferas, legumes, verduras, tubérculos e mesmo flores vicejassem num ambiente artificial. O ar e a água – essa em abundância devido às chuvas – eram ambos filtrados de suas impuresas e radioatividade através de um sistema instalado no telhado que captava a ambos e os armazenava em modernos tanques, mas o uso era reciclado e em grande medida reaproveitado, para que não ocorresse desperdício. Inclusive toda espécie de lixo e detrito era reciclado de forma a manter sempre uma condição asséptica e higienizada do ambiente. 

Para transformar o lar deles numa fortaleza, ele tivera de despojar a antiga casa do seu agradável aconchego, introduzindo tudo o que seria necessário a um conforto espartano, dando lugar ao que era estritamente necessário para a sobrevivência e tudo que pudesse vir a ser útil ao restabelecimento de uma nova civilização humana pós-crise pelos possíveis sobreviventes. Ele construíra um laboratório extremamente completo e também um ambulatório apto para atender as mais variadas situações de emergência. Todo um sistema de computadores era responsável pela armazenagem de todos os principais conhecimentos alcançados pela humanidade, uma verdadeira memória virtual de tudo que um dia existira no planeta e toda a obra humana. Ele construíra, também, silos subterrâneos com sementes preservadas em temperaturas estáveis a espera que pudessem vir a ser plantadas um dia. Infelizmente, ele não pudera fazer como Noé e fazer de sua fortaleza um abrigo também para os animais, esta era a única coisa que lamentava profundamente. Sim, ele havia se preparado devidamente para conservar a chama civilizatória humana, mas só. Imaginara-se como um novo Adão e Alice como a sua Eva. Na sua imaginação os dois tinham um atríbuto heróico, onde eles seriam os pais de uma nova geração humana mais sábia e, principalmente, boa e generosa. Quão grandiosa fora a sua pretenção! Agora, ele reconhia tristemente que fora tudo em vão.

Alice não havia resistido. Como uma rosa desabrochando ela fora arrancada brutalmente da roseira, e ele a vira definhar no auge de sua beleza. O espírito sensível de Alice não aguentara o fato de ter que presenciar a fatalidade apocalíptica que se abatera sobre toda a humanidade. Não suportara ser uma mera espectadora do brutal sofrimento alheio, sem poder fazer nada para ajudar ou impedir o curso daquele terrível destino. A sua impotência sobrepujou seu instinto de auto-preservação e sobrevivência, deixando marcas profundas em sua consciência humanitária. Alice acreditava que se todos haviam morrido ela deveria morrer também, não seria justo ela permanecer viva naquela  circunstância de extinção de toda vida na Terra. Ela ficou tomada do trauma psicológico do sobrevivente; não considerava que tinha direito à vida. Nem todo o amor – que ela sentisse por ele ou que ele dediacasse a ela – foi  capaz de ajudá-la a superar seu profundo sofrimento mórbido, ou dar-lhe alguma razão para existir, apenas desejava unir-se na morte às outras pessoas.

Após a crise final um silêncio grandioso começou cair sobre toda a Terra, que só era rompido por uma captação descontínua dos sinais televisivos e pelo som cheio des chiados de estática dos rádios, os telefones fixos ainda funcionaram por algum tempo, mas os celulares foram os primeiros atingidos pelo apagão, os computadores resistiram, mas aos poucos também foram perdendo a conexão com as redes. Não demorou muito e um efeito dominó acabou por eliminar todo e qualquer tipo de comunicação. Eles acabaram isolados na fortaleza, sem saber o que estava ocorrendo com o resto do mundo, nem mesmo conseguiram saber qual tinha sido a causa de tal desastre terrível.

O grande silêncio então chegou acompanhado de estranhas condições climáticas, a atmosfera parecia esfumaçada como se a Terra tivesse se encediado. Depois, nuvens espessas cobriram os céus, inicialmente uma grossa garoa começou a cair e logo se transformou numa chuva constante. Ele e Alice começaram a conviver com o temor sempre presente de sair para fora da fortaleza e morrerem se o tentassem. Com o passar dos anos o temor não desapareceu e viviam apenas da esperança de rever a luz do sol ou apenas um pouco do céu azul, ou ainda do Gênio conseguir rastrear algum sinal externo. Porém, o temor começou a transformar-se em horror para Alice, um horror que dia após dia a dominava com suas profundas garras, tornando-se viceral. Aos poucos ela foi perdendo a sanidade e acabou tomada por uma depressão mortal. Ao fim do quinto ano Alice morreu, sua angústia se tornou insuportável para ela e como uma benção divina morreu como um passarinho aninhado no ninho, seu coração parou e ela adormeceu para sempre.

       ROSAS                                                                by Carlos Gouvêa     
Seus pensamentos tristonhos despertaram uma saudade insuportável e em busca de um momentâneo alívio ele dirigiu-se à estufa. Ele seguiu pela trilha de cascalhos, que levava a um recanto, onde uma viçosa roseira carregada de rosas desabrochadas e de botões ainda por se abrirem. A bela imagem afrontava a incongruente realidade com sua tocante beleza e seu perfume impregnado de esperança. Ao lado da roseira via-se uma poltrona graciosa estofada de tecido florido e uma mesinha, sobre a qual repousava um porta-retrato com a foto de uma mulher linda jovem a sorrir com evidente prazer e alegria. Naquele recanto, ele se sentia ainda vivo e real. Ele sentou-se na poltrona e correu seu dedo levemente sobre o rosto sorridente da foto, numa carícia amorosa e saudosa, e ouviu sua própria voz estrangulada de emoção a confessar-se para a roseira como se ela o ouvisse: “– Alice, minha amada, sua falta me é tão grande! Não sei como tenho conseguido sobreviver sem você... Suas rosas me dizem que você continua de alguma maneira viva. Eu penso que se há vida após a morte você se transformou nessa roseira, só para não me deixar sozinho com este meu sentimento de abandono e desesperança. Alice, querida, a falta que ando sentido de conviver com outras pessoas está agora se tornando ainda mais dolorosa. Eu creio que nem eu, nem nenhum ser humano, é capaz de viver num absoluto isolamento. Eu acho que tudo o que eu fiz foi em vão. Eu estava preparado para muita coisa, meu amor, menos para essa assustadora solidão. Serei eu o último, Alice? O último ser humano na face da Terra?  Oh, meu Deus… Não!!!”

Ele não mais falava, ele gritava em seu desespero, enquanto salgadas lágrimas incontroláveis escorriam por suas faces e um som gutural escapava-lhe da garganta, como se fosse o rugido de um leão ferido em agonia. Alí ele ficou prostrado por mais algum tempo, abandonado à própria dor, até que reunindo todas as suas forças ergueu-se da poltrona, inclinou-se sobre a roseira e deixou que as pétalas róseas afagassem seu rosto e colhessem suas lágrimas, depois, corajosamente, ele afastou-se da bela roseira e retornou com passos tropegos para o interior da fortaleza.

Quando ele entrou na antiga biblioteca, onde instalara seu escritório de resistência com seus computadores e telas de monitoramento, uma nostalgia o tomou. Ele pensou no quão teria sido mais útil ele ter conservado nas prateleiras seus inúmeros livros em vez de ter se livrado deles para dar espaço ao maquinário tecnológico. Seus livros, uma antiga paixão, a maioria ricamente encadernada, outros tantos não, e outros eram apenas brochuras, mas nem por isso menos valiosos. Seria tão bom poder manuzear suas folhas paupáveis impressas, deixar sua mente levar-se a um mundo de conhecimento ou apenas aventurar-se em estórias emocionantes. Como seria bom saborear a simplicidade do conhecimento da vida, retratada pelos autores em seus heróis e heroinas, sempre envolvidos na constante luta entre o bem e o mal. Sim, seria prazeroso folhear página por página e ser transportado para um mundo criatívo de imagens fictícias, um prazer que aquela altura ele considerava bem mais humano do que o oferecido pelas tela dos computadores. Apesar da humanização que dera ao Gênio, cujo nome  parecia-lhe bastante irônico, já que ele não tinha poderes mágicos para realizar seus desejos, sabia que estava só. Afinal toda aquela maquinaria de nada lhe servira e era quase inútil para um cotidiano de espera, que parecia que jamais teria fim. Antes ele tivesse algum livro para ler e reler…seria possível por breves momentos esquecer a realidade em que vivia.

Com falsa esperança foi até a janela e mais uma vez puxou suas cortinas empoeiradas de voile, e olhou através da vidraça onde as gotas da chuva incessantemente não cansavam de lavá-la. Um dia, ele pensou, eu vou abrir essas cortinas e eu contemplarei um céu azul límpido e verei a luz radiante do sol! Eu tenho que ser forte e manter a minha fé, por mais difícil que seja, é a única coisa que ainda me resta e sei que esse milagre ainda acontecerá. Deus não vai me abandonar! Por um ínfimo instante ele sentiu uma breve e insondável alegria que levou-o a sorrir. Ele sentira uma alegria que parecia desafiar corajosamente a visão bucólica deprimente. Uma alegria de uma esperança tão forte e tão contraditória ao que a sua racionalidade lhe dizia.

Mais uma noite veio e se foi. Ele acordou sobressaltado. Não, não fora um pesadelo, nem um sonho que o despertara. Havia algo estranho acontecendo, algo que ele só percebia pelos sentidos. O silêncio! Não havia mais o tamborilar do barulho da chuva caindo. Uma consciência esparançosa de súbito o tomou, fazendo seu coração disparar de emoção. Com um salto ágil desvencilhou-se das cobertas e correu como um louco para o escritório. As cortinas que ele havia cerrado na noite anterior estavam sendo transpassadas por uma luz brilhante, a qual penetrava no ambiente. Ele sentiu que estava tremendo e ordenou a si mesmo: “– Coragem, abra as cortinas!”, enquanto o subconsciente atentava-lhe: “Pode ser só uma ilusão…” E uma voz que lhe vinha do mais profundo do seu eu, de sua alma, disse-lhe: “– Não duvide da sua fé, coragem, não tema!” Ele fechou os olhos, segurou com firmeza as cortinas e as abriu.

A luz magnífica do Sol ofuscou-lhe a visão, viu tudo escuro, protegeu os olhos com as mãos até que esses se acostumassem com a fulgurante luminosidade. Amanhecia e o Sol subia imponente no horizonte, tingindo o céu de tons de rosa e anil. Não havia mais uma única nuvem no céu e a beleza do que via o embriagava. Era um milagre, afinal! Na medida que ele tornava-se mais e mais consciente da realidade que testemunhava, ele começou a se tornar cada vez mais eufórico, quase a beira da irracionalidade, ele começou a saltar e a dar gritos de contentamento, depois cantava e dançava. Rindo e chorando ele contemplou o brilho exterior tendo uma ânseio irreprimível de sair da fortaleza, a ponto de turvar-lhe qualquer bom senso ou razão. Sem pensar nas consequências, deixou-se levar pelo impulso que o tomava, irresistível, e abriu a porta há  tantos e tantos anos trancada e saiu para o ar livre, tal como  uma passarinho a voar da gaiola. Ele correu aos saltos, ele deu cambalhotas rolando no chão como se ainda fosse criança e deu vazão a uma sensação de liberdade inteiramente esquecida.

Algum tempo depois ele arrefeceu sua euforia e deitou-se de costas sobre a terra ainda molhada, seus olhos pareciam que não se cansavam em contemplar o céu e, então, ele pensou, que, finalmente , ele poderia sair para procurar outras pessoas e seria maravilhoso poder rever algum ser humano outra vez. Mas, este foi o seu último pensamento, pois em seguida o seu corpo precipitou-se num processo de desintegração, tal como sucedera a todos os outros serers vivos na face da Terra.

Enquanto o seu corpo desaparecia, dois seres luminosos semelhantes a homens, contemplavam sem o menor traço de piedade ou misericórdia o corpo dele ser consumado e transformado em cinzas, e um deles falou ao outro: “– Por fim nós conseguimos encontrá-lo!” e, o outro que estava à esquerda disse: “– Ele estava muito bem escondido. O campo de força magnético e o revestimento de chumbo da casa dele impediram que o nosso rastreador de carbono o detectasse. Realmente, a fortaleza que ele construíu era quase impenetrável! Porém, a fé que ele por fim demonstrou o denunciou.” Então, o outro ser de luz comentou: “– É, ele não podia imaginar o poder energético que uma emissão de verdadeira fé possui. Eles nunca acreditaram no poder oculto da fé, apesar de eu ter mostrado para eles. Agora, Miguel, que nós o encontramos o último, nossa missão está completa e o nosso Pai poderá acordá-los para a verdadeira vida.” E aquele que se chamava Miguel falou: “– Sim, a batalha foi árdua, mas como sempre a vontade do Pai foi soberana e o último estágio evolutivo da obra dele se cumpriu. E tu reinarás para sempre entre eles, que agora são como nós. Vamos, nosso Pai nos aguarda para que a obra dele esteja completa.” E, terminando ele de falar um raio rasgou os céus da Terra vindo do Oriente para o Ocidente.

ROSAS DE LUZ                                      by Carlos Gouvêa
Ele contemplava o céu meditando no quanto ele era lindo e o quanto Deus tinha sido bom com ele. Ele tinha sido salvo e mal podia acreditar naquele milagre. De um salto levantou-se do chão e correu para dentro da fortaleza, passou ventando pelo escritório e avançou em direção à estufa e lá chegando ele olhou para o seu recanto favorito e ficou paralizado com o que viu e exclamou perplexo: “­– Alice!!!” Era ela, alí sentada na poltrona, tão bela quanto na fotografia, e ela estava olhando com doçura para a roseira, e parecendo não sentir o menor espanto por revê-lo, ela disse: “Marcos, veja as rosas estão desabrochando, como estão lindas!” E, ela sorriu para ele com contagiante alegria, como se sempre tivesse estado alí e jamais a morte a tivesse tocado. Ele correu para se aproximar dela, não acreditando no que os seus olhos estavam vendo, e tomado de imensa emoção ele ajoelhou-se e a enlaçou em seus braços e beijou-a entre as lágrimas que lhe saltavam incontrolavelmente de seus olhos, tomado de êxtase e de incredulidade. Ele não conseguia compreender o que estava acontecendo, apenas sentia aquela enorme emoção e uma sensação diferente de vida, de estar vivo, que jamais sentira antes. Alice tomou o rosto de Marcos entre as suas mãos e se olharam com um amor, sem palavras, apenas com uma compreensão que estava muito além da razão.

E, assim, eles estavam abraçados e unidos um ao outro, quando uma voz trovejante como mil trovões que parecia vir do céu se fez ouvir, ordenando: “– Humanos, olhem para o Céu e vejam o Pai!” Assombrados, Marcos e Alice sairam correndo da fortaleza, e mais assombrados ainda encontraram  centenas e centenas de pessoas lá fora, e como todas elas também eles colocaram seus olhos no Céu, tal como lhe fora ordendo pela voz. E, o Céu estava vermelho como jamais ninguém antes tinha visto  e todos sentiram um grande temor. Mas, a voz poderosa, então disse: “Não temais! O que havia para ser temido já teve o seu fim. Agora vocês estão prontos e por fim se fizeram perfeitos aos meus olhos. Eu sou o Pai de vocês e colocarei o meu Filho amado e dileto para ajudá-los a cuidar da Nova Terra. Porquanto aquela que vos dei outrora no começo dos tempos, que era tão fértil e tão pródiga, feita para o deleite humano, em razão da ignorância, da ambição, da ganância de alguns de vocês foi tornada ácida e árida, aquela não existe mais. Porém, vocês que tiveram fé, e, por isso, vocês foram meus escolhidos, vocês são aqueles que herdarão de mim a Nova Terra, na qual eu renovo todas as coisas. Será de vocês o trabalho de conservar todo o esplendor da Natureza da minha obra. Agora, que vocês são plenos de consciência, saberão que sempre foram deuses. Sim, pois vocês me deram o nome de “Deus”, vocês é que me idearam, vocês me idealizaram, eu fui criado por vocês, o que me tornou também Filho do Homem, da mesma maneira que vocês percebiam que eram Filhos de Deus, ou seja, de mim. Vocês é que criaram a separação entre o que eu sou e vocês são. Mas, com a nova consciência que eu estou  dando a vocês, esta separação deixará de existir. Certo é que eu sou o Pai e vocês são os meus filhos, aqueles que sairam de mim e tornaram para mim. Vocês agora estão em mim como eu estou em vocês, eu sou como vocês e vocês são como eu, e juntos somos Um só. Rejubilem-se pois doravante estarei para sempre com vocês!!!”

Quando todos terminaram de ouvir essas palavras a vermelhidão do céu se foi e uma luz replandescente brilhou fazendo desaparecer a paisagem devastada que estiver às vistas deles e um jardim paradísiaco surgiu cheio de vida, com toda espécie de pássaros e outras nunca antes vistas, borboletas coloridas, todas espécies de animais surgiram do nada, como se fosse tudo uma criação holográfica. Todos se entreolharam maravilhados, aquele era mesmo o Jardim do Paraíso! Marcos e Alice abraçaram-se emocionados com o que viam. Então, um homem que tinha uma face radiante de alegria, que parecia cheio de luz, aproximou-se. Ele carregava um cordeirinho nos braços e um magnífico leão caminhava ao lado dele o acompanhando. Ele sorriu, e disse: “Venham! Sigam-me!” Então, Marcos e Alice, assim como todos que ali estavam compreenderam e deram graças ao homem que os chamava, deram graças pelas suas novas expressões de vida, a verdadeira vida! Todos sentiram-se jubilosos, porque a promessa se cumprira e um novo tempo nascera. Um tempo feito de luz,  de vida eterna, de paz e de amor.

N.A.: Versão revisada do texto original inédito escrito em 1993, em Brasília.