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terça-feira, 27 de março de 2012

ORANDO PELA CONSCIENTIZAÇÃO

ORANDO PELA CONSCIENTIZAÇÃO

Quem tem por ofício a arte, quer seja nas letras, na música ou na pintura, sempre vai se deparar em algum momento com um “branco,” onde se tem a sensação de um imenso vazio na mente, quando nada absolutamente nada induz ao processo criativo.  Então, fica-se esperando que aquela mágica aconteça e que a inspiração finalmente surja e possa se dizer “EUREKA!!!!” (Encontrei!), com o mesmo entusiasmo que um dia o fez Arquimedes.

Desde a minha última postagem em janeiro eu fui tomada de um “branco mental,” eu me dera conta que estava trilhando os caminhos já trilhados, fazendo justamente o que não era o meu propósito inicial para esse blog. Sem me dar conta, deixei-me levar pela segurança de um sucesso momentâneo obtido num passado, que não me trouxe nada de bom e definitivamente estava cometendo comigo mesma o que tanto me aborrecia nos meus editores, que faziam de mim uma “máquina de textos.” Então, simplesmente parei de escrever para poder “refletir”, pensar mais e decidir o caminho que eu queria mesmo seguir no meu processo criativo.

No dia 21 de fevereiro de 2012, eu li a seguinte frase num artigo escrito pelo jornalista africano P.C. Dickson: “The war that the two-eyed person saw and fled is the same the one-eyed person vows he will join.” (“A guerra que a pessoa com dois olhos viu e evita é a mesma que o caolho promete e se juntará.”)  Naquele momento eu me aborrecia lendo as notícias sobre a fomentação de uma guerra com data marcada para ter início no Oriente Médio, ainda este ano.

Então, no dia 23 de fevereiro de 2012 escreví no meu diário:

“Qual não foi a minha felicidade em descobrir a postagem da Bárbara Abramo reformulada em audio no UOL Mais! Assim fiquei sabendo que Vênus em conjunção com Saturno neste final de fevereiro está sendo o fator responsável por essa sensação de “seriedade” que estou tendo, pois aumenta a “consciência de si mesmo nos três aspectos: físico, mental e espiritual,” ampliando o próprio auto-conhecimento, podendo levar à descoberta do verdadeiro eu. A consequência direta disso é uma maior “seriedade” de consciência frente às decisões a serem tomadas em relação à própria vida e o rumo que se deseja dar a ela, não aceitando mais interferências, manipulações ou enganos alheios que tenham por propósito obstruir essa meta.

Pois é isso mesmo, hoje a palavra-chave das minhas cotidianas reflexões matinais era exatamente: CONSCIÊNCIA. Em razão do próximo post que pretendo escrever para o Free Thinker, cujo título será: “tic-tac, tic-tac BOOM!!!”, no qual pretendo analisar a questão da “consciência” como fator fundamental para a PAZ mundial e da FELICIDADE pessoal.

Tenho observado que em razão da volatilidade do mundo contemporâneo, em que o progresso e as mudanças civilizatórias que antes ocorriam em séculos, agora passaram a ocorrer em décadas. Talvez por causa disso, na maior parte do tempo as pessoas não são realmente “conscientes” de seus atos e raramente levam em consideração as “consequências” de suas atitudes e decisões, agem de maneira “automática,” seja pela repetição compulsiva ou pelo instinto de satisfação da própria vontade, sem o menor questionamento do próprio comportamento, pois o considera a priore sempre correto, mesmo que não o seja.

O “exame de consciência,” assim, aparentemente, por ser tão desconfortável, deixou de existir nessa sociedade movida pela constante satisfação do ego. E, a consequência disso tem sido uma crescente desarmonia, que conduz a um estado caótico com o aumento descontrolado de “conflitos de interesses.”

A “consciência” não é apenas um estado de vígilia mental em que o cérebro estando desperto tem a capacidade racional de analisar informações em relação à interação com o meio ambiente em que o corpo se encontra. É muito mais do que isso, é todo um processo “sensitivo” de percepção inteligente no qual todo o corpo físico está envolvido com seus sentidos de tato, olfato, paladar, audição e visão, enviando os sinais captados para o cérebro que os analisa e os define racionalmente, a fim de determinar as reações necessárias, que poderão conduzir às ”ações” ou “inações” decididas pela “consciência” com base num complexo “arquivo de informações de experiências vividas ou intuídas.”

A “consciência” em razão de sua incrível capacidade é portanto um “sexto sentido.” Contudo, é observável que a capacidade de “consciência,” tal como os outros sentidos humanos, é variável tanto no que diz respeito a “consciência intrinsíca” de cada pessoa –  em razão de fatores como a idade, condições de saúde, estilo de vida, capacidade de uso dos outros sentidos –, quanto no que se refere as experiências de vida e a capacidade de armazenar e analisar informações, inclusive as de cunho emocional. Consequentemente, a capacidade de “consciência” é variável de pessoa para pessoa, e, dificilmente, duas pessoas terão o mesmo “estado de consciência” do mesmo modo que não existem duas impressões digitais iguais, apenas existirão semelhanças entre elas.

Assim, duas pessoas poderão ter “visões de consciência” sobre uma mesma situação inteiramente diferentes uma da outra, dependendo do “grau de consciência” que possuam. Uma “visão de consciência” em relação à outra poderá ser divergente – sendo completamente opostas; assemelhada – convergindo para um mesmo foco –, ou complementar – assomando informações. Sendo esta última condição a situação mais desejável, já que a complementação permite a troca de informações e consequentemente o enrequecimento da “consciência” das pessoas que estão interagindo. Por ser esta complementação de visões de consciência tão rara, muitas vezes a chamamos de “comunhão de idéias,” e por ser tão rara parece ser uma benção dívina.”

No dia 24 de fevereiro de 2012 lendo o Evangelho apócrifo de Filipe, integrante dos documentos de Nag Hammadi, encontrei uma segunda frase: “Quando um homem cego e um que tem visão são ambos juntos na escuridão, eles não diferem um do outro. Mas, quando a luz chega, então o que tem visão verá a luz, e o que é cego permanecerá na escuridão.” Ou seja, o que tem visão é aquele que tem consciência e “conscientização” dela e o cego é aquele cuja consciência não tem conscientização e é por isso é limitado no uso da consciência. E esse pensamento levou-me a refletir mais ainda sobre a importância não só da consciência, mas principalmente da conscientização.

No dia 15 de março lí a notícia Novas evidências indicam que a meditação fortalece o cérebro - BBC. Dizia a matéria em linhas gerais que o cientista Eileen Luders e seus colegas do Laboratory of Neuro Imaging da UCLA teriam encontrado indícios de que pessoas que meditam durante muitos anos possuem uma quantidade maior de dobras no córtex cerebral do que pessoas que não meditam. Sendo essas dobras responsáveis por acelerar o processamento de informações. Segundo Luders: "Pessoas que meditam são conhecidas por serem mestras em introspecção e consciência, assim como em controle emocional e autorregulação, então os resultados fazem sentido - quanto mais tempo alguém medita, maior a a incidência das dobras na ínsula". Todavia, Luders advertiu que fatores genéticos e ambientais poderiam ter contribuído para os efeitos observados.

Essa notícia pareceu-me fornecer o respaldo racional e cientifico para a minha reflexão sobre a importância da consciência e seu processo, já que mais que o grau de inteligência tão discutido pelos estudiosos como fator de diferenciação entre as pessoas, o grau de conscientização seria ainda mais relevante. Porquanto, mesmo que uma pessoa possua um grau de inteligência de genialidade isto não quer dizer que ela possua um alto grau de conscientização, se assim o fosse uma bomba atômica jamais teria sido construída tendo em vista o seu poder de destruição e de ameaça a extinção da humanidade. Contudo, os misseis atômicos estão aí espalhados pelo mundo e desde 1945 dormimos e acordamos com esta horrível ameaça sobre as nossas cabeças, e muitas pessoas nem possuem consciência disso.

Aí considerei que muitos ligam a idéia da “meditação” com a figura de Buda sentado debaixo de uma figueira sagrada na posição de lótus, ou com a idéia de ficar imóvel numa posição recitando mantras ou em até rezar um rosário inteiro, fazer jejum e tantos outros ritos que prometem levar a um estado de plena consciência. Pois bem, existem muitos caminhos para se alcançar a conscientização e eu vou contar agora a minha experiência pessoal de como um dia eu descobri o meu caminho.

Em outubro de 1989, acompanhei um amigo meu a uma viagem à Noruega, tendo como anfitrião naquele país um autêntico viking. Foi uma experiência formidável, pois não só tive a oportunidade de conhecer um pouco daquele país como de conviver coma  intimidade de lares noruegueses. Encantei-me não só com a beleza vislumbrei, mas principalmente com as pessoas que tive a oportunidade de conviver. Tudo me parecia tão perfeito, tal o nível de civilização que lá podia ser observado, contudo aquela perfeição tinha um alto preço: a perda da liberdade, já que o Estado socialista determinava praticamente os destinos de seus cidadãos. De modo que os jovens tinham por costume tomar o barco e irem para a Dinamarca para se sentirem livres da opressão do dia a dia em seu país. Enquanto outros mais velhos movidos pelo espírito livre dos ancestrais vickings pegavam seus veleiros e desapareciam pelos oceanos do mundo, buscando viver a liberdade em outras plagas. Todavia, como boa virginiana que sou – apegada à ordem e que louva a perfeição – para mim a Noruega parecia o Paraíso na terra, superando até minha constante admiração pela Suiça.

Após a estadia entre os noruegueses, nós fomos para Londres, onde ficamos hospedados no belo e luxuoso apartamento de um nobre paquistanês, avizinhado ao Palácio de Kensington. Minha última visita à Londres se dera em 1975 e dessa vez eu a encontrei inteiramente mudada; a colorida e festiva Londres que em pleno inverno parecia viver uma eterna primavera simplesmente tinha desaparecido. A nova moda era a cor preta, e tudo era preto, como se a juventude tivesse se tornado um exército tenebroso  e transpirando descontentamento e violência. Para se encontrar um exemplar de um tradicional inglês da velha e boa cepa era preciso procurar com uma lupa e quando se encontrava alguém assim era de dar pena, tal era a tristeza com que essa pesso contaria como tinham acabado os bons e velhos dias do glamour londrino.

Após ter caminhado por Londres três dias seguidos ouvindo muitas histórias aquí e alí, já estava exausta de ver aquele lugar querido despojado de seu antigo romantismo que me tocara na juventude. Aproveitando um dia daqueles plúmbios tipicamente londrino, resolvi passar meus olhos na bela biblioteca do meu milionário anfitrião e encontrei um tesouro, um livro sobre o SUFISMO e mergulhei nele por três dias, e só voltei a colocar meus pés na rua na hora da partida, carregando comigo as preciosas anotações que fizera, as quais forneceriam um verdadeiro mapa de como sair do caos que eu me encontrava aos meus 34 anos, louca para sair da escuridão que havia dentro de mim e encontrar uma luz que pudesse dar um sentido à minha vida e à minha existência.

Contudo, para compreender a natureza do SUFISMO e a razão pela qual arrebatou minha sede de sabedoria é preciso contar um pouco de sua origem. Por volta da metade do século VII, o grande líder e profeta Maomé surgiu na península arábica e por inspiração divina uniu o povo árabe numa só crença e num só povo fundando o reino do Islã,  o Reino da Submissão à Deus. No século seguinte as consquistas árabes extenderam-se amplamente pelo Oriente Médio, propagando o Islamismo, uma nova religião que parecia naquele tempo reunir em si todas as influências religiosas amealhadas por Maomé em seu tempo de condutor de caravanas em uma só sabedoria da verdade de Deus, o que permitiu instituir uma forte política de governança teocrática na região.

No século IX, o Islamismo, tal como ocorre sempre em todas religiões, esteve sujeito à reflexão dos livres pensadores, que analisaram as escrituras sagradas sob a luz da própria consciência e sabedoria. Distante da península arábica estava a região de Khorasan (“a terra onde o Sol nasce”), localizada na fronteira que separava o Oriente Médio das terras asiáticas do Reino do Meio (China) e dos reinos hindus (Índia).

A região de Khorasan integrou o Império Persa, e durante essa época veio a ser o berço do Zoroatrismo, fundado no século VI a.C. pelo profeta Zoroastro, que proclamou a existência de um Deus único,  universal e transcendente, cuja fé reuniu a maior parte do povo persa e influenciou fortemente a política de governança do Império Persa, marcada por sua tolerância religiosa. Por conta disso, a religião budista fundada pelo príncipe hindú Sidhartha Gautama, também no século VI a.C. também veio a ter seus seguidores na região de Khorasan. Posteriormente, em 330 a.C. o conquistador macedônio Alexandre, o Grande, tomaria a região trazendo a infuência helenica, mas o Zoroatrismo subsistiria fortemente até a chegada dos conquistadores árabes do Islã no século VII d.C.

Portanto, não é de admirar que o nascente islamismo fosse estudado e questionado pelos mestres do Zoroatrísmo da região, afeitos à liberdade de consciência e respeitadores dos conhecimentos divinos, tanto o eram que os judeus deveram a sua liberdade do cativeiro da Babilônia e o retorno à Israel, assim como a permissão de reconstruir o templo de Salomão  ao Imperador Persa Ciro II, o Grande (590 -529 a.C), graças à influência religiosa do Zoroatrismo,  assim como séculos depois a epifania de Jesus veio a se dar com a presença de três reis magos, adeptos do Zoroatrismo.

Assim, no século IX, na região de Khorasan existia um grupo de ascetas que defendiam a idéia de uma relação íntima, direta e continua com Deus, eles vestiam-se com tecidos feitos da mais pura lã branca local, que fizera a  fama comercial da região, e por se vestirem assim eram chamados de Sufis, pois a palavra ‘sufi’  em persa significava “lã” em persa, alguns estudiosos aventam também a possibilidade da palavra originar-se de “sophia,” do grego, que significa “conhecimento.” Muitos destes ascetas sufis eram descendentes de mestres do Zoroatrismo, de modo que interpretavam o Islamismo sob a luz do conhecimento herdado de seus ancestrais. Então, surgiu entre os sufis um líder de nome Mansur Al-Hallaj (858-922), neto de um grande mestre do Zoroatrismo, que desafiando a lei islâmica, aos 40 anos passou a pregar para grandes multidões. Ele defendia que a leitura das escrituras sagradas islâmicas (Alcorão) devia ser feita concomitantemente com a leitura das escrituras sagradas judáico-cristãs (Bíblia) e colocava que Maomé e Jesus deviam ser respeitados do mesmo modo como profetas de Deus.  Como se pode perceber a influência dos ensinamentos de Jesus era muito maior no Orienta Médio do que avaliava-se na Europa naquela época e ainda hoje é pouco considerada nos estudos históricos.

As idéias de Al-Hallaj também exaltavam que a intropecção era um caminho para se chegar à Deus e que era preciso ir além dos ritos religiosos para alcançar a realidade divina. Al-Hallaj proclamava que Deus era Amor e “amar significa permanecer próximo ao Amado renunciando a si mesmo inteiramente e transformando a si mesmo de acordo com Ele.” Al-Hallaj falava de Deus como seu “Amado”, “Amigo” e o tratava por “Você” e sentia o seu único “eu” com Deus. O desejo de unificação com Deus era tão forte no profeta sufi que foi fortemente impressionado pelo martírio sofrido por Jesus. Assim, em razão de sua comunhão de consciência com os ensinamentos de Jesus, também um dia proclamou “EU SOU A VERDADE!” Ora, do mesmo modo que Jesus, Hallaj com sua pregação incomodou o alto escalão político islâmico, e acabou preso sob a acusação de heresia, como “cripto-cristão” por estar distorcendo a revelação do profeta do islamismo numa maneira cristã.

Os nove anos de prisão só fizeram aumentar fé de Al-Hallaj e sendo chamado para novo interrogatório na corte, perguntaram-lhe: “O que é o amor?” e  Al-Hallaj respondeu: “Você ira ver o amor, hoje, amanhã e depois de amanhã.” Nesse mesmo dia foi condenado à morte por crucificação, mas antes teve seus pés e mãos cortados. Como até o dia seguinte o profeta sufi muribundo continuasse a proclamar estar unido à Deus pelo amor, seus algózes o tiraram da cruz e cortaram-lhe a língua e por fim a cabeça, queimando seu cadáver e no dia depois deste suas cinzas foram jogadas ao vento. Assim as palavras de Al-Hallaj se cumpriram, demosntrando o que era amor no seu martítio, em todo seu sofrimento permaneceu amando à Deus, renunciou a si mesmo inteiramente e foi transformado em si mesmo de acordo com Deus.  O método utilizado pelas autoridades islamitas no martírio da morte de Al-Hallaj tinha por intuído não só servir de exemplo a outros que desafiassem a autoridade islâmica e colocar fim às heresias, mas, também, principalmente, impedir que Hallaj viesse a ressucitar dos mortos como Jesus e tivesse o poder de provar que Deus estava mesmo com ele, lançando a dúvida sobre a santidade do islamismo. Contudo, o sacrfício de Al-Hallaj não foi em vão e sendimentou o Sufismo.

Por quase um século os Sufis se mantiveram-se na segurança de um certo ostracismo, tal como uma semente que dorme na terra antes de germinar. Então, no século XI, surgiu um novo mestre sufi, que iria ganhar grande proeminência por sua sabedoria, seu nome era Abu Hamid Al-Ghazzali (1058-1111).  Al-Ghazzali era filho de um sufi tradicionalista e nasceu também na região de Khorasan, na cidade de Tus. Seu trabalho não tinha cunho pregatório, mas escrito e intelectual, nem por isso menos revolucionário, e foi contido em 700 obras impregnadas pela idéia que “Deus é amoroso e pode ser alcançado através da união mística.” A obra que alçou AL-Gazzalli à fama foi “A Incoerência dos Filósofos” onde defendeu a crença que os eventos casuais e as interações não são produto de conjunções materiais, mas mais da imediata e presente vontade de Deus. Depois, em razão da insistência de seus estudantes em Jerusalém escreveu “O folheto de Jerusalém” onde fez uma exposição concisa do Islã,  já ao final da vida escreveu o autobiográfico “A Libertação do Erro”, considerado seu trabalho de maior importância, e por fim escreveu “A Alquimia da Felicidade” com a proposta de conciliar os interesses e pensamentos entre os erúditos e os místicos, alcançando sucesso em diminuir as tensões existentes resultantes do ritualismo islâmico. Seu trabalho de conciliação entre o sufismo e o islamismo garantiu que o pensamento sufi florescesse e se perpetuasse. Os trabalhos de Al-Ghazzali foram de tal importância que no século XIII influenciou São Tomás de Aquino (1225-1274), que fez seus estudos sobre escritores árabes na Universidade de Nápoles, porquanto a literatura e cultura árabe era predominante na época na região mediterrânea. Séculos depois seria René Descartes (1596-1650), pai do Cartesianismo, e defensor do Racionalismo, que receberia a forte influência de Al-Gazzali e a semente do seu pensamento a partir de então impregnaria as idéias dos filósofos e estudiosos europeus, permitindo que chegasse aos nossos dias.

Do mesmo modo como as idéias de Al-Ghazzali chegou para outros, também um dia chegou para mim. Eu acredito que determinado conhecimento nos chega quando estamos preparados para recebê-lo, e só Deus em sua imensa sabedoria pode nos revelar quando esse momento chegou. Assim é com imenso prazer que eu  vou compartilhar as minhas anotações com todos aqueles que queiram ORAR PELA CONSCIENTIZAÇÃO, mas aviso este não é uma caminho fácil, mas, sim, muito árduo e exige uma obstinação e perseverança quase sobrehumana.

SUFI – A SABEDORIA DO PENSAMENTO

“Sufismo é uma alquimia. É a vivência de transformar o mundo em Deus. Lembre-se, sufismo não é uma filosofia, é uma ciência. Não acredita em especulações, acredita em experiência. Não acredita na lógica das coisas, acredita na experimentação. Só a experiência decide o que é verdadeiro, nada é decisivo. Somente quando você conhece, você sabe – não existe outro caminho para o saber.

OS SETE VALES DO MESTRE SUFISTA AL-GHAZZALI

O PRIMEIRO VALE – CONHECIMENTO

Naturalmente, o conhecimento é o primeiro vale porque o princípio do  ser humano é o conhecimento. Os outro seres vivos, animais, não possuem conhecimento, somente o ser humano conhece, somente o ser humano coleta conhecimento. Somente o ser humano escreve, lê, fala. Somente o ser humano possui linguagem, escrituras e teorias.

A parte negativa desse vale é que você pode adquirir conhecimento, retê-lo em si. Mas, você também pode esquecer o real propósito do conhecimento, apesar de tê-lo inserido em seu ser. Então você acumulará mais e mais conhecimento, e você poderá viver com esta acumulação constante de conhecimento, você poderá se tornar um grande estudioso, mas nunca virá a possuir o saber.

O caminho do saber é muitíssimo diferente do conhecimento. Existem duas coisas que ocorrem com o conhecimento: o contentamento com o conhecimento – você sabe alguma coisa – e a consciência reflexa, você sabe quem conhece. Se você se torna muito apegado ao contentamento do conhecimento você perde a sua capacidade de saber, você se perde neste vale.

Se você adquire o conhecimento e depois você o perde, você não pode atravessar este vale. Enquanto mais conhecimento você possuir, mais confuso você se tornará – porque este não é o caminho para decidir qual é a verdade. Algumas coisas que você ouve podem parecer corretas, pois você vê critério e lógica nelas. Sim, você está certo. Não existe outro caminho para você se decidir sobre algo; na verdade não existe um critério, por isso que após algum tempo você poderá vir a desconsiderar o que um dia lhe pareceu tão correto. Você vai a um Mestre e você o ouve e aparentemente ele está certo naquele momento. Depois você vai a outro Mestre e você o ouve, e ele também lhe parecerá correto. Você lê um livro e ele trás idéias certas; você lê um um outro livro  ­ talvez um justamente oposto – e você encontra muita lógica, o que lhe é também correto. Não existe, então, caminho para decidir o que é correto e certo. E se você acumula esses conhecimentos na verdade está acumulando contradições – pensamentos e idéias opostas. E existem milhões de idéias, filosofias e sistemas. Isto não vai ajudá-lo…

Então, a primeira coisa no vale do conhecimento é estar alerta para as coisas que são enfaticamente concernentes a sua capacidade de conhecimento. Nada de adquirir conhecimento de coisas que jamais se tornarão um saber real.

Existe uma única coisa a fazer com o saber – o querer saber. Uma imensa energia conscenciosa capaz de levá-lo ao conhecimento.

Se você simplesmente “olha” o saber, o conhecimento sobre algo, você se perderá neste vale. Mas, se você “observar” o conhecimento, o saber, você não se perderá, mas transcenderá este vale. E, aí, se você conseguir atravessar este vale do conhecimento será grandiosa a alegria – porque você entenderá alguma coisa muito especial , essencial em você, alguma coisa que você sempre recordará, alguma coisa fundamental:

A CAPACIDADE DE SABER É A CAPACIDADE DE SER CONSCIENTE E CONSCÊNCIOSO.

Logo se você observa o conhecimento, se você se torna mais alerta sobre o conhecimento, você estará usando o saber de modo positivo.

O SEGUNDO VALE – ­ARREPENDIMENTO

Quando você começa a olhar para quem você é, normalmente surge grande arrependimentos por seus atos. Porque você reconhece seus erros, o que você deveria fazer, e o que você não deveria ter feito. Você se torna conscêncioso e com isso emergiu também a sua consciência. Ela é uma pseuda-consciência: foi dada a você pela sociedade. As pessoas disseramà você o que é certo e o que é errado. Você não sabe exatamente o que é moral ou o que é imoral.

Mas, após você ter cruzado o primeiro vale você passou a saber o que é certo e o que é errado. E, depois, certamente, você viu o que você fez de errado em sua vida. Você abandona a consciência que lhe foi emprestada pelos outros, pois agora você sente dentro de você o que é certo e o que é errado. Se você faz uma coisa errada, você sabe que o está fazendo, mesmo antes de o fazer você o sabia, mas mesmo assim o fez. O conhecimento do que é certo, portanto, não impediu que você fizesse o que estava errado. Por exemplo: você sabe  que a possessividade não é boa, no entanto você é possessivo – não só com as coisas mastambém com as pessoas. Você é possessivo seja com sua mulher, com seu marido, com seu filho – logo eles são coisas para você, logo você as possui. Você destrói com a sua possessividade os relacionamentos, e você sabe que está esta errado.

Agora que você cruzou o primeiro vale, e que emergiu em seu ser a nova consciência, você sabe extamente onde está errado e como parece ser impossível fazer as coisas deferentes, certas, corretas. Este é o ponto porque Sócrates disse que “o Conhecimento é uma virtude.”

A parte negativa do vale do arrependimento concerne ao julgamento do passado – quando você passa a ter consciência dos milhões de erros cometidos. Você esteve inconsciente deles durante muito tempo e agora eles despertam em você um mórbido sentimento, você está numa grande escuridão, num grande arrependimento pelo passado.

A parte positiva é que você passará a considerar sobre o futuro, não mais sobre o passado. É certo que você agora sabe no que errou no passado, mas considera que foi natural já que não tinha consciência disso. Sua vontade agora é de acertar quanto ao futuro, pois agora você sabe o que é certo. Nada mais poderá fazer pelos atos passados, mas muito é certo poderá fazer pelo futuro. Agora você possui consciência; agora o futuro será totalmente diferente, qualitativamente diferente, radicalmente diferente. E, você se torna romântico com esta aventura. Agora você possui a sua consciência interior e ela não permitirá mais que você erre novamente. Você não precisa mais se controlar – quando a real consciência chega o controle não é mais necessário, não é necessária a disciplina. O CERTO SE TORNA UMA COISA NATURAL. Então o certo é fácil, é fácil ser correto.

Quando você não tinha consciência real, você tinha que se esforçar muito para agir acertadamente, e muitas vezes apesar dos esforços você não conseguia. Os antigos sentimentos maus do passado passam a ser distantes, porque o passado não é mais em sua vida. Esta é a parte positiva – quando você sente a transformação que se operou em você, quando se sente abençoado por esta dádiva que Deus lhe deu, o presente da verdadeira consciência. Agora sua vida mudará numa total e nova dimensão, num novo caminho. Esta é a real moral nascida, a VIRTUDE.

O TERCEIRO VALE ­ – OBSTÁCULOS

Quando a consciência emerge em você, você passa a saber e ver como existem obstáculos. Existem muros atrás de muros. Portas e mais portas para serem abertas. Muitos obstáculos a serem transpostos.

O mundo é sedutor, as coisas do mundo o são. Ligamo-nos às pessoas crendo que elas permanecerão em nossas vidas. Mas este estar junto é unicamente acidental, durante algum tempo permanecemos juntocoma as pessoas, – pai, mãe, irmãos, mulher, marido, filhos, amigos etc. – as separações acabam por ocorrer. Nos estamos  num mesmo caminho apenas por alguns momentos de nossas vidas, nós estamos juntos acidentalmente. Não será para sempre. É natural as pessoas estarem com as outras, se amarem, mas não devem se perderem umas nas outras.

A dependência afetiva impede o exercício da liberdade pessoal. Assim, segundo Al-Ghazzali o primeiro obstáculo é o mundo, as coisas do mundo, que seduzem o ser humano; o segundo obstáculo é a dependência afetiva: o terceiro Al-Gazzali chama de “Satã” e o quarto “Ego.”

Satã é a mente – a mente que você formou no passado. Quando a sua consciência emergiu, quando você se tornou mais conscencioso que antes, o mecanismo da sua mente demora para aceitar a mudança. Ela o dominou por muito tempo e não pode abandoná-lo. É necessário tempo. É necessário esperar e observar – em muitas oportunidades ela tentará imediatamente tomar a sua posição sobre você. Ela acredita ser o seu mestre e você deve agir como ela deseja. A mente não pode aceitar que você se tornou subitamente o mestre de si mesmo.

A mente é um mecanismo, será sempre isso. Por isso a mente é o diabo. Todas as histórias sobre o diabo não falam sobre a mente. O diabo – ou Satã, é o que os sufis chamam de demônio –  é justamente o nome mitológico da mente.

Quando Satã tentou Jesus, você pensa que havia uma personalização física dele ao lado de Jesus? Não seja tolo! Não havia nenhum diabo ao lado de Jesus. A tentação veio a Jesus em sua mente. A mente disse: “Agora que você se tornou milagroso e poderoso, por que não se preocupa com outras coisas? Por que não ter um castelo onde do qual domine o mundo inteiro? Você pode ter isso! Você poderia ser o homem mais rico do mundo! Você poderá possuir o mundo, e terá ainda mais poder. Você já possui grandiosa e alta espiritualidade. Seu destino “siddhis” (em sânscrito significa perfeito, sucesso) será realizado. Você poderá ter todo o dinheiro e o pretigio que você desejar. Por que preocupar-se com Deus e religião? Use essa posssibilidade˜!”

A mente tentava Jesus. E, então, o que disse Jesus: “Não venha em meu caminho. Vá embora!” ele não falava com nenhum diabo que estivesse alí. Ele simplesmente dizia à sua mente: “Por favor, não venha em meu caminho. Eu não partilho dos projetos que você tem, nem de seus desejos. Eu estou num caminho totalmente diferente. Você não conhece nada sobre isso, cale-se!”

E, o quarto obstáculo é o Ego – um grande obstáculo a ser transposto. Quando você começou a transformar-se em pequeno conscencioso, quando a sua consciência emergiu, e você começou a remover do seu caminho os obstáculos que começaram a aparecer, o grande ego – vindo de nenhuma parte – subitamente tenta ter possessão sobre você: “eu me tornarei um santo. Eu sou extraordinário!” E, o problema é que você é extraordinário! É verdade! Logo, o Ego pode provar isso. Este é o grande problema, porque o ego não está falando coisas absurdas. Ele é sensível! Ele é exato!

É preciso estar alerta com o Ego, com a idéia que “Eu sou estraordinário.” É necessário que você lembre-se que você pode até ser isso, mas não deve expôr este estado como uma superioridade – não é a glória humana que você precisa. Se você ouvir o Ego, a vaidade vai lhe dominar e você se perderá neste vale e não poderá mais prosseguir.

A parte negativa é que você começará a combater este obstáculo do Ego. E se você começar a combater se perderá neste vale. Você precisa não combatê-lo. Não crie inimigos, é preciso entender seus motivos. Combater trás repressão. Você pode reprimir o ego, você pode reprimir a seu dependência em relação às pessoas, você pode reprimir seu desejo pelas coisas, e você pode reprimir o seu Satã, sua mente, mas a repressão permanecerá, e você não estará habilitado para entrar no quarto vale. Logo, não reprima.

A parte positiva: tome um desafio – que o Ego desafie você. Não o tome como inimigo, mas sim como um dasafio que o permita ir além. Não o combata; entenda-o. Observe. Olhe o mecanismo dele; qual é a sua função, como este novo ego emergiu em você, como esta mente vai jogar com você, como você se tornou dependente das coisas, como você se tornou dependente das coisas. Olhe profundamente no seu interior, sem antagonismo. Se você se antagonizar em qualquer momento você não vai alcançar seu objetivo. Se você for indulgente, você conseguirá. As pessoas conhecem somente duas coisas: sabem como se tornar amigos ou como se tornar inimigos. Este é o único entendimento ordinário que será possível. A terceira coisa poderia ser socorrê-las: ser indiferente, mas vigilante e atento; nem inimigo, nem amigo. Só observar que pessoas são, porque se você tomar qualquer atitude sentimental, emotiva – em oposição – os sentimentos se tornam uma escravidão. Os modos sentimentais aparecem quando você se torna agregado, dependente. Lembre-se, você está agregado com os seus inimigos, assim como está agregado com seus amigos. Se seu inimigo morre, você sentirá sua falta mais do que você sentirá de seu amigo – muitas vezes é maior a ausência, porque ele deu alguma emoção na sua vida. Combatendo-o você se divertia, se distraia. Agora ele não exite mais. O ego que você executou num combate nunca mais será combatido. Você será obrigado a encontrar um novo inimigo.

Logo, não faça inimigos e não faça amigos. Somente observe. Torne-se o grande observador cientifico. Esta é uma coisa positiva para se fazer. EXPLORE O QUE O EGO É: EXPLORE COM DIVERTIMENTO E ALEGRIA.

O QUARTO VALE – TRIBULAÇÕES

O quarto vale é marcado por acontecimentos do inconsciente. Agora pela primeira vez você entra no profundo reino de sua existência, na incinsciência,   na escuridão do seu ser, na noite. Até agora você estava na claridade, no dia. Era fácil. Agora as coisas se tornam difícies, cada vez mais. Quanto mais longe você vai mais você terá que pagar. Com isso a jornada se tornará mais árdua e tudo se tornará mais  perigoso. É necessário se tornar mais alerta e cuidadoso, pois você passará a se mover am planos mais altos.

O vale das tribulações é a entrada no inconsciente. A entrada neste vale era chamada pelos místicos seguidores de Jesus como “a escuridão da noite da alma.” É entrar num mundo que se encontra atrás de você, a sua sombra.

Até o terceiro vale o ser humano procede como um Mestre, mas não o é. No quarto você questiona a possibilidade de ser um Mestre. Até então isso era simplesmente uma teoria possível. Mas, no quarto vale, o Mestre se torna uma absoluta necessidade – porque agora você entrou na escuridão. Você não consegue ver nenhuma luz, nada.

A parte negativa deste vale é uma tendência ao ceticismo, à dúvida. Antes você parecia ter certeza de algumas coisas, agora você não sabe nada. Você precisa de alguma segurança. Tudo parece ser um absurdo. Você passa a considerar o caminho até então trilhado sem sentido, e se questiona se enlouqueceu. Você passa a considerar melhor viver no mundo, pertencer ao mundo. É melhor ter dinheiro, muitas coisas: poder, divertimento, sexo etc. Você se pergunta: O que eu estava fazendo? Eu abdiquei, perdi tudo e este é o resultado?

Será preciso você compreender o mistério da escuridão, para proteger a si mesmo. É necessário usar da consciência adquirida. A claridade é maravilhosa, mas não comparada com a escuridão. A escuridão é mais maravilhosa ainda, mais serena. Tranquilize-se. A escuridão é o primeiro contato com Deus. É escuro, mas mais tarde você entenderá que não é escuro. Na verdade é como se fosse a primeira vez que você abre os seus olhos realmente. Não é escuro, a escuridão é a sua interpretação. Olhe para o Sol por alguns segundos e o Sol se tornará escuro. É muito forte a sua claridade para os nossos olhos. Depois de olhar para o Sol por alguns minutos se você entrar na sua casa, esta parecerá estar na escuridão. Você não consegue ver nada. Mas é natural. Mais tarde depois de ter transcendido o vale, quando você puder olhar para trás e ver a realidade, tudo lhe será diferente. Muitos mestres podem tomar suas mãos na noite escura da alma e fazer-lhe confidências, contar suas experiências e convencer você – “Não tema. Somente é aperência de escuridão, não é escuridão. É o primeiro encontro com Deus. Logo irá acabar.”

Existem três coisas para serem compreendidas: dormir, morte e “samadhi” (em sânscrito significa “correta contemplação”). Dormir é igual a morrer. No Oriente nós dizemos que é a pequena morte. Nós morremos na noite escura todas as noites e desaparecemos na noite escura.  Depois vem a morte – a morte enquanto dormimos. O corpo desaparece mas a mente permanece e nasce novamente. Depois virá a última morte – samadhi – quando o corpo desaparece e a mente desaparece também, e somente uma interiorização centralizada –  a conscientização –  permanece. Esta é a última morte.

No quarto vale você fica sabendo como a última morte acontecerá com você. Se você rejeita isso, se você se defende disso, não poderá prosseguir, será obrigado a retornar ao terceiro vale (obstáculos). Se você perder o quarto vale você sempre permanecerá com medo de tornar a entrar nele. Muitas pessoas entram no quarto vale, mas sempre buscam uma maneira de escapar, ocorrendo isso várias vezes em suas vidas. Estão sempre com medo de perderem algo, de deixarem algo para trás, coisas que não poderão mais possuir depois de passarem pelo quarto vale.

O quarto vale é muito importante porque é justamente o meio do caminho. Existem três vales de um lado e três vales do outro. O quarto vale representa também uma ponte, uma real passagem do conhecimento para o não-conhecimento, do finito para o infinito, do trivial para o profundo.

A parte positiva é a rendição, a entrega, e a negativa é a defesa. Os mestre começam a ensinar sobre a rendição como sendo o verdadeiro começo, depois disso virá o seu climax.

Quando você se rende, você deixa de se preocupar com o que vai lhe acontecer no futuro e com o que irá precisar ou não. Tudo lhe parece perfeitamente “okay” (OK). Você sabe, as horas certas virão, assim como aceitará as horas erradas. Tudo será extremamente lógico para a continuidade do seu caminho.

A RENDIÇÃO É NECESSÁRIA PARA QUE A VIDA FLUA LIVREMENTE EM SEU SER.  

O QUINTO VALE  –  TORMENTA

No quinto vale você entra na inconsciência coletiva, você perde a sua individualidade, você perde a você mesmo. Você não consegue sentir quem você é, tudo lhe parece vago. Você duvida de estar vivo, duvida da sua existência. Você não se sente, por causa disso vem a questão: ser ou não ser?

Agora a escuridão se torna mais densa. Você se sente um nada, ignorante, sem nada em especial, totalmente anulado em seu ego. Apesar de tre-se sentido antes especial, sem ser por isso reconhecido, você passa a se considerar uma pessoa comum, em nada especial, nem em idéias, nem em atos. Você também não deseja ser nada mais, gostaria de ser ninguém. A parte positiva é o relax interior, o não-eu, o nada interior, a essência interior (a personalidade, o self) está pronta para morrer, de boa vontade, voluntariamente e com alegria. Então, começa o sexto vale… o do abismo.

O SEXTO VALE – ABISMO

No sexto vale como Jesus na crucificação você perguntará: “– Por que tu me abandonaste?” Esta é a parte negativa. Como Jesus esperará ser socorrido. Pois, Jesus não poderia ter sido mais humano que neste momento, quando o desamparo se torna no ser humano sua maior angústia.

Nada pode ser mais paradoxal que o pico dessa passagem. Quando o sofrimento se torna tal que nada mais compreendemos. Olhamos para o passado e ele nada significa, olhamos para o futuro e não conseguimos imaginar nada mais que possa vir a acontecer. Mas, após isso nós temos a gratitude, a verdadeira rendição, do momento em que reconhecemos a nossa humanidade, a nossa limitação.

Em seguida Jesus disse: “– O reino está a caminho.” Ele expressou a sua gratitude, que se expressa no ser humano como fé e confiança. Então vem o sétimo vale, o último.

O SÉTIMO VALE – CELEBRAÇÃO

Neste vale ocorre a grande descoberta de saber que tudo está contido em seu ser., que tudo continuará, pois você está em Deus da mesma maneira que Ele se encontra em você. Agora nada mais é positivo ou negativo. Não existe mais dualidade. Um é um. A unidade emerge em seu ser (adwaita, em sânscrito “um e único”). O seu ser se sente como se finalmente estivesse chegado em seu lar. O seu ser anterior dual desaparece.

Este é o vale dos Hinos, como chamou Al-Ghazzali, pois se ouve a canção interior da celebração, da paz e da felicidade, e se sente o êxtase de viver e sentir o perfume da realização. Agora não há mais lugar para ir, a viagem terminou”

Pois bem, aí estão minhas anotações traduzidas do inglês de um livro de centenas de páginas de sabedoria, que tive que sintetizar no que era apenas essencial, naquilo que não poderia ser esquecido, e o fiz como quem faz uma mapa de um tesouro enterrado, a fim de que não se perca no caminho de recuperá-lo outra vez.

Certamente, aqueles que chegaram em sua leitura até este ponto podem estar considerando que quando se chega ao último vale se permanecerá nele até o fim de seus dias. Sinto desapontá-los, isso poderia acontecer no tempo de Al-Ghazzali, há quase mil anos atrás, mas não nos nossos dias.

Naquele tempo de Al-Ghazzali as mudanças não ocorriam a todo instante e nem mesmo surgiam tantas coisas para se tomar “conhecimento”, nem mesmo o ser humano se defrontava com tantos dilemas como acontece nos dias de hoje. Assim querer permanecer no vale da Celebração para quem vive e interage com o mundo e não vive isolado num mosteiro num pico alto de alguma montanha, é um desafio cotidiano. Pois, inevitavelmente, a cada novo conhecimento, a cada nova situação, a cada nova experiência de vida, aquele que conseguiu chegar ao vale da Celebração se verá retornando ao primeiro vale e passando por todo caminho dos sete vales novamente, de sorte é que já conhecerá o caminho e o risco de se perder nos vales será bem menor. Porquanto, as passagens pelos vales de Al-Ghazzali em verdade é um roteiro para o pensamento numa reflexão consciente, o que transcende em muito a mera prática da meditação. E conforme adquire-se experiência nessa longa caminhada, percorrer o caminho de retorno ao vale da Celebração se fará cada vez mais e mais rápido, até que passe a ser uma espécie de ORAÇÃO PELA CONSCIENTIZAÇÃO, que permitirá com a prática adquirir o controle completo das funções da consciência e obter o conhecimento da nossa verdade interna, aquela que é capaz de nos manter por mais e mais tempo no vale da Celebração.

No final da década de 1960, a psiquiatra suiça Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004) publicou sua obra “Sobre a Morte e Morrer” Editora Martins Fontes, 1969) onde identificou os cinco estágios do luto: 1. Negação/Isolamento, 2. Cólera/Raiva, 3. Negociação, 4. Depressão e 5. Aceitação. Quem já passou pelo sofrimento de perder um ente querido ou teve a própria vida em risco de morte sabe que estes estágios são verdadeiros e realmente acontecem, e que depois que se passa por eles uma vez se tornará mais fácil enfrentar uma situação semelhante outra vez. No que diz respeito ao processo de conscientização seguindo o modelo dos vales de Al-Ghazzali, o processo de superação não é muito diferente. A sensação que se tem ao se decair do vale da Celebração em qualquer dos outros vales é de sofrimento e de dor por perder a condição de felicidade plena dada pela conscientização e o retorno indesejável à dualidade. Então passa a ocorrer os cinco estágios de superação do sofrimento e da dor: 1. Negação, 2. Expiação/Raiva, 3. Interiorização/Reflexão, 4. Compreensão e 5. Aceitação. E, estando neste último estágio tem início a jornada de retorno ao vale da Celebração, com a certeza que se pode retornar para ele orando pela conscientização, porquanto o vale da Celebração é o REINO DO AMOR DE DEUS EM NÓS.  

Uma certeza eu posso dar por experiência e testemunho, depois de muitas recaídas e superações, e com as tantas idas e vindas pelos vales, as recaídas diminuem, pois aprendemos a ser indiferentes às oportunidades que conduzam a uma recaída, e um dia nos damos conta que a nossa estadia no vale da Celebração não é mais passageira e sim nosso verdadeiro lar permanente.

O REINO DO AMOR DE DEUS EM NÓS










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                     por Fernando Picardi


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